Para terminar um ano de poucos comentários no blog, devido a morar sozinho sem computador, aí está um longo texto, bem produzido (i.e., com fotos), sobre o ano de 2006 no cinema. Que foi um grande ano, como pouco ainda se viu nessa década.
Foram 80 filmes vistos, dentre os lançamentos no Brasil. Vários diretores interessantes mostraram seus trabalhos, algumas velhas figurinhas, outros em plena construção de uma filmografia respeitável, e também nomes recentes que tentam se afirmar enquanto autores. No geral, uma média muito boa de filmes vindo, muitas vezes, de onde não se esperava.
Tivemos o cinema digital em alta. STEVEN SODERBERGH surpreendeu, fazendo um filme simples, barato e consistente, Bubble é provavelmente o melhor filme da carreira do cineasta (ao lado do um tanto mal falado Solaris, que adoro). E MICHAEL MANN também continuou sua aventura pelo digital, começada com Colateral, e fez de Miami Vice tudo o que não se esperava desse filme. É um lindo filme de ação, onde sua obsessão pela imagem fica escancarada na tela, e cada cena é uma busca incessante de algo novo e visualmente interessante. O filme é basicamente uma busca pelo futuro do cinema, que Michael Mann parece acreditar que está no digital.
MICHAEL HANEKE também provoca uma discussão sobre as possibilidades do cinema em CACHÉ, e a genial seqüência inicial serve como prova disso. Mas o grande triunfo de seu filme é fazer um cinema-político-social-anti-classe-média-alta-e-intelectual francesa voltado para a juventude do seu país, onde Haneke pensa haver chances de mudança.O melhor filme do ano é escrito e filmado com uma maturidade incrível, que nem parece vinda de um cineasta que tem Violência Gratuita em seu currículo. O tempo fez bem a Heneke, e agora é esperar por esse tal remake americano, não?
Alguns dos grandes nomes do cinema americano também tiveram seus mais recentes trabalhos lançados por aqui. A Última Noite infelizmente acabou por ser o último filme de ROBERT ALTMAN, um diretor que deixará saudades, e que fez do último filme de sua carreira uma ode pelos bons tempos que não voltam mais. MARTIN SCORSESE continuou a revitalização do seu próprio cinema, começado com Gangues de Nova York (ou foi com Vivendo no Limite?), e foi buscar num remake asiático mais um filme sobre os Estados Unidos, desta vez mostrando o fim de um império. Tecnicamente brilhante, e sem se levar tão a sério às vezes, Scorsese voltou a ficar em paz com a crítica e o público mundial. Já estava na hora. E se vamos falar de técnica há de se citar também BRIAN DE PALMA, que dessa vez resolveu se aventurar pelo noir. Uma das melhores cenas do ano é a descoberta do corpo da Dália Negra, num maravilhoso plano-sequência a-lá DePalma. Seu filme é cheio de citações e referências e, como de costume, cinema da melhor qualidade.
Outra figura carimbada que apareceu muito bem esse ano foi WOODY ALLEN. E resolveu surpreender a todos, buscou inspiração em Dostoiévski, filmou pela primeira vez em Londres, e enfim fez d o menos woodyalleniano filme de sua carreira o seu melhor filme em tempos. Outro surpresa veio de BETO BRANT, que se arriscou por um terreno desconhecido e em Crime delicado fez um lento e belo estudo, sobre arte e sobre a intelectualização dos sentimentos, sem em nenhum momento lembrar o diretor de O Invasor e Os Matadores.
E se é para falar de cinema nacional, vamos destacar especialmente a ótima fase dos documentários nacionais, onde nesse ano se destacaram MARCOS PRADO (estreante em longas, com muito futuro) e EVALDO MOCARZEL (que já tem uma carreira e tanto). E na área de ficção, além de Beto Brant, vale citar CAO HAMBURGER, que fez o filme sobre ditadura que faltava ao cinema nacional, e CARLOS DIEGUES, que depois dos últimos fracassos finalmente fez algo decente.
Temos ainda diretores recentes em plena construção de suas carreiras, com filmografias consistentes e de temáticas parecidas. São diretores-autores que começaram há pouco e parecem ter que falar. GUILLERMO DEL TORO voltou aos tempos de época e ditadura que já tinha abordado em A Espinha do Diabo, seu melhor filme até então. E em O Labirinto do Fauno fez uma bela fábula para adultos, um belo conto fantástico inserido num contexto de violência. Lindo. Lindo assim, como A Dama na Água. M. NIGHT SHYAMALAN também parece obcecado por fábulas, e seu último filme é um ótimo exemplar do gênero. A partir de um grupo de pessoas que descobrem ser personagens de uma fábula, Shyamalan faz um filme sobre o acreditar, que o coloca como um dos mais interessantes diretores americanos na atualidade. E há ainda de se citar DAVID R. ELLIS, que depois de um primeiro filme sem graça (Premonição 2, ainda que conte com uma sensacional seqüência inicial de acidente), vêm trabalhando a inverossimilhança do cinema hollywoodiano de gênero. Depois do ótimo Cellular – Um Grito de Socorro, ele escancarou de vez com Serpentes a Bordo, e com uma trama medonha e um pé no trash, fez de seu filme uma esperiência estranha e divertidíssima.
Ainda sobre caras novas, vale citar: ALEJANDRE AJA, que a partir de um remake de um filme do Wes Craven, fez o melhor examplar do gênero de terror do ano, de longe; GEORGE CLOONEY, que fez um filme corajoso, de um sucesso merecido, e provando que também pode render como diretor; NOAH BAUMBACH, contribuidor de Wes Anderson em A Vida Marinha com Steve Zissou, e que fez o que parece ser seu primeiro filme relevante, o melhor (ou talvez o único) ótimo filme sobre famílias estranhas nesse ano; e ainda o estreante DAVID SLADE, que fez um exercício sádico sem qualquer preocupação com verossimilhança de personagens, uma ferrenha crítica em um filme que só pode existir em seu universo paralelo, onde cada personagem representa um grupo de pessoas, mas um filme que talvez deva receber mais créditos pelo seu roteiro.
E para terminar, vale citar alguns diretores estrangeiros estão fazendo grandes filmes em inglês. ALFONSO CUARÓN fez o mais impressionante trabalho do ano em Filhos da Esperança, ele pensa sobre o presente, colocando o público dentro de uma realidade futura. A fotografia impecável, e os planos-sequência com câmera na mão faz com que o expectador interaja com a realidade do filme, através do personagem do Clive Owen. Genial. Há de se citar ainda ANG LEE, que fez um belo filme sobre amor impossível e que, num ano ruim para o Oscar, não deveria ter perdido a estatueta para o irregular Crash. E por fim, ALEJANDRO AGRESTI que pôs sua marca em A Casa do Lago, e com um roteiro ruim e opções ousadas, fez o mais lindo romance do ano.
E é isso. Nas próximas semanas posto aqui a lista definitiva dos melhores do ano; além dos meus votos para o ALFRED; e o alguns bons filmes que chegarão por aqui neste ano que mal começou. Até lá, e enquanto isso: Boa Noite, e Boa Sorte.
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